segunda-feira

DO ATACAMA A BRASÍLIA

Dia 21.outubro.2009, quarta-feira
PASSEANDO PELO DESERTO

a) San Pedro do Atacama mudou bastante desde 2007. Quando estivemos aqui, há exatos dois anos, só conseguimos vaga em hotel na sexta tentativa. Atualmente, somos os únicos hóspedes do mesmo albergue que nos acolheu naquele ano. Há pouquíssimos turistas na cidade: brasileiros, em sua grande maioria. Os europeus, que formigavam pelas ruas em 2007, desapareceram por completo. Parece ser reflexo da crise econômica que teve início no ano passado e que, aparentemente, abalou a estrutura turística daqui. As agências, que realizam tours pelo Deserto, estão cotizando vans e microônibus para minimizar o prejuízo. Os preços caíram vertiginosamente. Os passeios, que antes custavam 40 dólares, hoje estão em torno de 20 reais. Nossa moeda teve valorização acerca de 15% neste ano em relação aos pesos chilenos e argentinos. Essa viagem, como um todo, está sendo a mais barata que fiz ao exterior até então.
b) Observamos, também, pequenas mudanças na cidade. Algumas ruas foram calçadas e há dois canais por onde corre água permanentemente, que não existiam antes. Creio eu (suposição) que essas águas vêm do degelo andino. É interessante ver os cachorros se banhando nesses canais. O que tem de cachorro por aqui não é brincadeira! Não é à toa que o apelido da cidade é San “Perro” do Atacama (perro = cão).
c) Demos a sorte de conhecer um fenômeno que só acontece duas vezes por década: o do “deserto florido”. Este “florido” nada tem a ver com “flor”, mas com “geminação”. Um período em que as gramíneas se renovam e apresentam colorações entre o verde e o dourado. Uma novidade a mais para nossos olhos.
d) Mas vamos lá ao nosso diário de hoje:
Aproveitamos a manhã para visitar algumas lojas de artesanato, almoçamos cedo e fizemos uma sesta de 2 h antes de iniciar o passeio pela Cordilheira do Sal e pelos vales de La Luna e de La Muerte, contratado ontem. Os demais deslocamentos para o Salar do Atacama, Lagunas Miñiques e Miscanti, Gêiseres El Tatio, vulcões e povoados tacamenhos foram realizados na nossa última viagem. Como nosso tempo é curto, faremos apenas este passeio nesta oportunidade.
Aprendemos que o Atacama está instalado entre 3 Cordilheiras: Andes, Domeyco e Cordilheira do Sal. Nesta última, a do Sal, foram encontrados fósseis de crustáceos e de outros bichos marinhos a mais de 3 mil metros de altitude. Isso comprova que esta região já foi mar em alguma época muito remota.
Fizemos uma jornada de 4 h por dentro de um cenário impressionante. Não encontro palavras para decifrar o que se passou pela nossa mente enquanto transitávamos pela aquarela viva do deserto. Guardaremos para nós as impressões deste contato intimista com a natureza árida e primitiva do Atacama.
Quem nos acompanha nesta viagem terá que se contentar apenas com as fotos.


Dia 22.outubro.2009 - Quinta-feira
DE SAN PEDRO DO ATACAMA a JOAQUIM V GONZALES - 739 km rodados, entre 10:16 h e 20:38 h. 10:22 h de pilotagem. Quilometragem total até aqui: 7301 km (Paulo) e 5300 (Flávio), sendo 358 km no Uruguai, 2376 km na Argentina e 2041 km no Chile.

a) Tenho dado um azar danado com a aduana chilena em todas as ocasiões que passei por ela (acho que foram 8 ao todo). Em San Pedro são feitos os trâmites alfandegários de quem entra ou sai do Chile pelo Paso de Jama (fronteira com a Argentina). Sabíamos que a aduana só abriria às 8 h e cuidamos de chegar ao local 20 minutos antes. Para nossa infelicidade, hoje estava marcada uma espécie de “operação tartaruga” dos servidores da alfândega chilena. Tudo bem que houvesse lentidão nos trabalhos, mas abrir a aduana com uma hora e meia de atraso foi sacanagem! A gente lá no sol, encalacrado numa fila de 20 metros, foi desumano. Para pular um pouco este incômodo, adianto que só deixamos o local às 10:15 h, depois de duas horas e meia de espera. Este atraso, contudo, nos permitiu conhecer o Antônio Ramolo, de São Paulo, que estava voltando para Brasil com outros 2 companheiros em 3 motos V-Strom 1000(http://www.engenheirosnoatacama.blogspot.com/), e reencontrar com o João Cabrera, admirável motociclista de Recife que estava há 50 dias na estrada e já havia atravessado a Amazônia, a Colômbia, a Bolívia e o Peru, antes de chegar ao Chile, viajando sozinho numa V-Strom 650.
b) Numa viagem deste tipo, onde a estratégia tem que ser montada com certa precisão, mais de 2 h de atraso sempre deixa um rescaldo para o dia seguinte. Foi o que aconteceu! Tivemos que pernoitar cerca de 200 km antes do planejado, em Joaquim V Gonzáles, uma pequena cidade argentina muito bonitinha e arrumada.
c) Quando saímos de San Pedro, já no meio da manhã, sabíamos que o fator tempo seria preocupante em nossa estratégia de viagem (chegar a Foz do Iguaçu no dia seguinte), porque tínhamos pela frente 2 pontos fantásticos para fotografias, que nos tomariam bastante tempo: os Caracoles da Cuesta de Lipan (cerca de 60 km de curvas em descida íngreme de 1600 m) e o Cerro de las 7 Colores (em Purmamarca). Superaramos os 4800 m de altitude antes do início deste trecho. Passar por ali sem investir tempo em filmagens e fotos seria um crime! Logo que atravessamos o Paso de Jama, demos de cara com uma manada de lhamas pastando em derredor da pista. Que coisinha fofa essas lhamas!
d) Chegamos em Joaquim V. Gonzáles depois de pilotar mais de 1 hora no escuro da noite. Acomodamo-nos no hotel e saímos para comer uma boa parrillada a R$ 10 por cabeça. Entre uma taça e outra de vinho, eu e Paulo fechamos compromisso de chegar a Foz do Iguaçu amanhã a qualquer custo. Ligamos o GPS para averiguar a distância e ele nos apontou 1250 km até a fronteira do Brasil. Uma quilometragem muito longa para se fazer em cima de uma moto em um único dia. Nosso recorde de pilotagem diária até aqui ainda é de 1177 km, entre Bom Jesus (PI) e Brasília, quando retornávamos dos Lençóis Maranhenses, em 2007. Mas vamos tentar chegar a Foz amanhã.

Dia 23.outubro.2009, sexta-feira
DE JOAQUIM V GONZALES A FOZ DO IGUAÇU- 1258 km rodados, entre 5:45 h e 20:30 h. 14:55 h de pilotagem. Quilometragem total até aqui: 8559 km (Paulo) e 6558 (Flávio), sendo 358 km no Uruguai, 3628 km na Argentina e 2041 km no Chile.

a) Conseguimos chegar a Foz do Iguaçu! Elevamos nosso recorde para 1258 km rodados num único dia. Um feito digno de constar no “Guiness da Terceira Idade” (acabei de inventar).
b) Falando sério: foi duro pra caramba! Só conseguimos chegar a Foz graças a uma estratégia de paradas curtíssimas. Viajamos o dia inteiro com apenas um sanduíche no estômago e muitas garrafinhas d’água. Achávamos que não seria tão difícil cumprir esta quilometragem numa V-Strom: uma moto muito confortável e de alta potência. Nossa maior dificuldade, contudo, foi o tempo gasto nas muitas travessias de cidade (só entre Resistência e Corrientes foram 40 minutos), nas inúmeras barreiras policiais (na Argentina a polícia pára os veículos no meio da rua, que engarrafam o trânsito) e no propinoduto da polícia camiñera de Pampa de los Guanacos.
c) Convém lembrar que lá naquela cidade (Pampa de los Guanacos) tem um posto policial famosíssimo, especializado em achacar turistas estrangeiros, especialmente motociclistas. Eu garanto que é impossível passar por ali sobre uma moto sem que os policiais peçam um dinheirinho para “pintar o posto policial”. Até onde eu saiba, eles estão pintando este posto há 20 anos. Quando passamos por ali, em 2007, havia um policial mais velho tentando arrebanhar a tal “contribuição”. Parece que o cara se aposentou e agora há 2 jovenzinhos fardados no local fazendo a mesma coisa. Um exemplo claro que mais uma geração está se formando dentro desta prática. Deixei 10 dólares "para a tinta" e seguimos viagem.
d) Atravessamos 3 províncias argentinas (Chaco, Corrientes e Misiones) com a temperatura acima dos 30 graus. Para quem acha que o Deserto é quente, precisa conhecer o tal de Chaco argentino. Aquilo ali é a própria sucursal do inferno na Terra. Um calor duro de suportar!
e) Chegamos em Foz à noite (21:30 h no horário do Brasil). Havia 3 congressos sendo realizados simultaneamente e encontrar vaga em hotel estava difícil. Recebemos ajuda de um motoqueiro que nos abordou logo na entrada da cidade. Ele fez todos os contatos pelo celular e identificou um local de hospedagem para nós. Se tivéssemos que perambular pelas ruas, provavelmente não encontraríamos hotel pelo nosso próprio esforço. Esses motoqueiros prestam grande serviço aos turistas e vale a pena contratá-los. Uma forma de ajudá-los, inclusive. Eles recebem uma mixaria do hotel (algo entre 3 e 5 reais por diária). O turista só paga pelo serviço se quiser!


Dia 24.outubro.2009, sábado
PERAMBULANDO POR FOZ E CIUDAD DEL ESTE (PARAGUAI)


a) O dia amanheceu muito chuvoso. Chegou a cair pedra de gelo do céu. Tínhamos que trocar óleo das motos na concessionária Suzuki e fomos para lá embaixo d’água. Meu pneu traseiro está precisando ser trocado. Tinha feito uma combinação desde Brasília para adquiri-lo na própria concessionária, mas parece que o responsável pelo contato se esqueceu de mim. Foi curioso observar que em Foz não se encontra pneus. Claro, é mais barato comprar no Paraguai. Bastaria atravessar a ponte, caso não houvesse proibição de se importar este tipo de produto. Mesmo instalando os pneus no outro lado da fronteira (Paraguai), a alfândega brasileira tem ficado de olho. No meu caso específico, não havia o produto para meu tipo de moto em lugar algum pelos arredores: nem em Foz, nem no Paraguai ou em qualquer cidade próxima. Fazer o quê? Vou tentar voltar para casa rodando com o que tenho.
b) Resolvemos aproveitar o período da tarde para fazer compras em Ciudad Del Este. Eu só queria adquirir um HD externo de 500GB, mas acabei comprando outra máquina fotográfica com lente Leika, que estava a bom preço. Carácoles, véi! Ô programinha infeliz esse de ir ao Paraguai, ainda mais sob chuva. É a terceira vez que vou lá e me arrependo de todas elas. Um inferno caminhar por aquelas ruas superlotadas, cheias de lama, lojas cheias, atendimento precário e outras mumunhas mais. Os preços são maiores que os do Mercado Livre e bem próximos aos da Feira dos Importados, em Brasília. Mesmo assim, não deixei de comprar minhas poucas muambitas.
c) Como somos pessoas honestas e sérias (ui!), resolvemos “legalizar” nossas compras na Aduana brasileira, haja vista eu ter ultrapassado em 24 dólares (e o Paulo em 55) a cota de 300 dólares (para quem viaja por terra). Outra dificuldade pela frente: uma fila de dar nó, com cerca de 600 pessoas. Acho que gastamos 3 horas nesse procedimento de legalizar nossas aquisições paraguaias. Saí dali com uma fome de elefante e uma sede de gambá, doido para tomar umas cervejas. E assim o fizemos, em um boteco nas proximidades do hotel.

Dias 25 e 26 de outubro de 2009, domingo e segunda-feira (os últimos dois dias)
DE FOZ DO IGUAÇU A BRASILIA – 1658 km rodados em dois dias, em 22:52 h de pilotagem. Quilometragem total até aqui: 10.217 km (Paulo) e 8216 (Flávio), sendo 358 km no Uruguai, 2376 km na Argentina e 2041 km no Chile.

a) Saímos de Foz sem muita preocupação com horário, uma vez que gastaríamos dois dias de qualquer jeito neste deslocamento para casa. Andamos um pouquinho pelas rodovias pedagiadas do Paraná (onde moto paga uma média de 4 reais por pedágio) e fui parado pela Polícia Rodoviária no posto de Céu Azul. O policial parece que não foi muito com minha cara. Mandou desmontar os baús da moto e deu um baculejo completo na minha bagagem. Acho que ele estava pensando encontrar uma TV de 49 polegadas ali dentro (ou drogas), porque o tempo gasto para vasculhar meus bauletos daria para averiguar um caminhão inteiro. Não gostei muito do tratamento do cabra, mas ele estava fazendo o trabalho dele. Eu é que sou enjoado mesmo! Reconheço que estou errado.
b) No final do primeiro dia, dormimos em Lins (SP), em uma hospedaria bacaninha ao lado de um restaurante de rodovia (Pousada Colonial), a preço de 40 reais por quarto individual com TV, frigobar e ar condicionado.
c) Quando saímos de Lins, mal andamos 30 km e começou a chover forte. Cacilda! A chuva não parava e eu lá com meu pneu careca, tomando todo o cuidado para não escorregar no asfalto. Vez por outra um trecho seco, onde tentávamos compensar no acelerador a baixa média na pista molhada.
d) Chegamos em Brasília por volta das 18:00 h. Sempre me preocupo com aquela estatística que informa que 65% dos acidentes de moto acontecem nas proximidades de casa ou do trabalho. Pensando nisso, entrei na cidade pilotando na maior calmaria, cantando Martinho da Vila dentro do capacete: “É devagar, é devagar, é devagar, é devagar, devagarinho...”.
e) Mais uma vez adentro minha casa molhado até as cuecas (não é força de expressão), embaixo daquele aguaceiro que nos acompanhou desde o Estado de São Paulo. Pelo menos, chegamos com a “alma lavada” (e com a moto imunda), fechando mais uma aventura maravilhosa pela América do Sul, felizes por ter ido para tão longe e voltado inteiros para casa.
f) O coração pulsa feliz, realizado. Essas experiências têm sido importantes para nós no transcorrer dos anos e têm produzido grandes transformações na nossa forma de ver o mundo, de compreender a espécie humana, de aceitar as diferenças culturais e sociais. Têm nos ajudado a ampliar nosso senso de amorosidade pelo planeta, pela natureza, pela família e pelas pessoas com quem convivemos. Viajar, seja lá para aonde for, sempre abre nossa alma para algo novo e transformador. Não foi diferente desta vez!

Agradeço aos amigos que tiveram a paciência de nos acompanhar durante nosso trajeto. Encerro por aqui a narrativa. Um grande abraço a todos.



12 comentários:

  1. Maravilha de lugar. Agradeço ao blog, já que eu mesmo não pude ir na real... fui no virtual com vocês nesta viagem.

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  2. Caraca! Agora é descançar e começar a responder emails hehe, principalmente quando começar a perguntar kkkkkk
    abraços amigos!

    Presidente
    Motrópolis Moto Clibe

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  3. Prezados Rosane e Flávio!!! Aguardamos com ansiedade a hora de encontrá-los e ouvir seus relatos apaixonados ao vivo também! Estamos na torcida por uma viagem cheia de aventuras e emoções! Grande beijo, Simone e Sergio Doscher

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  4. Olá intrépidos colegas, meu nome é Ary Fábio e sei o valor de uma aventura como essa. Parabéns.
    Ushuaia2006.blogspot.com

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  5. Valeu xará! Mais uma belíssima viagem realizada, nos deixando "babando" nas fotos! Parabéns!

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. Flávio,
    Parabéns pela viagem, acompanhei toda a trajetória, fico na expectativa de seguir teus passos e ter a tua resistência.
    Amanhã saio pra Foz do Iguaçu, estarei postando as informações no meu blog, uma viagem bem menor, mas a cada nova viagem vou mais longe, me preparando.
    Abração.
    conhecendoextremos.blogspot.com

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  8. Também estive com vocês nesta viagem, em pensamento!
    Sempre com pensamento positivo para que tudo corresse na mais pura paz
    Possível,
    Espero ter ajudado,
    Estou aqui esperando para ver as todos.
    Um abraço e boa sorte, em futuras viagens.

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  9. Flávio também crescemos com seus relatos. A divulgação com detalhes, nos leva a participar da viagem como se estivéssemos pilotando a moto. Parabéns, por mais essa vitória irmão!

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  10. Caro amigo, tenho lido os relatos de suas viagens e após cada um deles tenho mais vontade de participar de algo ao menos parecido. Parabéns mais uma vez. Abraços e continue, sempre...
    Eden.

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  11. viajar e ter uma motocicleta para acompanha é que precisamos para viver.

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Quem sou eu

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Sou servidor aposentado do Ministério do Planejamento, motociclista há algumas décadas, em Brasília. Também sou antropólogo e sociólogo por formação; escritor, violeiro e compositor por vocação; e estradeiro por opção. Criei esse blog para compartilhar, com quem demonstre interesse, minhas viagens de moto pelo Brasil e por outros países. Contato pelo email: flaviomcas@gmail.com